A experiência da dessalinização na Espanha e o reforço a conhecimentos técnicos

Por Silvano Porto, coordenador da Dessal do Ceará pela Cagece.

Apesar do Brasil possuir cerca de 1/4 de sua população em municípios costeiros, a dessalinização de água marinha, praticamente, nunca foi uma opção de abastecimento no país, excetuando-se apenas a ilha de Fernando de Noronha com cerca de 60% de seu abastecimento provido pelo mar.

Situação contrária a esta tem sido vivenciada mundialmente, onde, nas últimas décadas, houve um forte crescimento do número de plantas instaladas, motivado principalmente pela redução dos custos de equipamentos e do consumo de energia, assim como dos avanços no desenho e operação dos processos, ao passo que as fontes convencionais de abastecimento apresentam uma tendência de aumento dos custos devido às distâncias que se encontram dos centros urbanos, sobre-exploração e contaminação de mananciais.

Contudo, em função das baixas precipitações dos últimos sete anos, iniciou-se no Ceará um grande projeto de dessalinização de água marinha para a produção de 1 m3/s, para o qual foram realizados estudos de localização da planta, captação de água e disposição de seus efluentes, dentre outros.

A inexistência de plantas de dessalinização de grande porte no Brasil para abastecimento humano dificulta o acesso a conhecimentos tanto de natureza técnica quanto contratual, ambos essenciais para materializar grandes empreendimentos como estes, os quais vão desde estudos de concepção e de viabilidade, alocação de riscos, condução dos processos de licenciamento, definição de ferramentas de monitoramento, incluindo-se indicadores de desempenho e de remuneração e, claro, os aspectos tecnológicos inerentes a essa matriz hídrica, desaguando esse conjunto de elementos em modelos de contratação que melhor se adequem à realidade local.

Uma forma importante de superação dessas lacunas é o aprendizado e internalização de conhecimentos com aqueles que há décadas possuem vasta experiência em dessalinização de água marinha. Nesse sentido, por possuir mais de 360 plantas de dessalinização de água marinha de distintas capacidades instaladas em seu território e por deter grande número de empresas e profissionais envolvidos com diversos projetos de dessalinização em dezenas de países, a Espanha se destaca como excelente local de aprendizado.

O caráter pioneiro da indústria de dessalinização nesse país trouxe consigo um nível de destaque tecnológico e de liderança no mercado internacional (oito empresas espanholas estão, atualmente, entre as 20 em maior número de contratações), uma particularidade que não existe em outros países. Muitas destas empresas, inclusive, possuem centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação dedicados exclusivamente ao tema de dessalinização [1], [2], desenvolvendo projetos próprios ou em conjunto com outros centros de pesquisa [3], [4].

Neste caso, se destaca sua região semiárida que, apesar de possuir uma média pluvial que chega a ser menos 300 mm ao ano, responde como grande produtor agrícola e importante destino turístico, ambas atividades viabilizadas pela aplicação extensiva da dessalinização e do reúso. A exemplo das regiões de Múrcia a Valência, com mais de 17 grandes plantas de dessalinização, ilustradas abaixo:

Além de dessalinizar a água marinha, o uso de tecnologias no âmbito do reúso de águas é muito destacado no país, sendo o que mais água de reúso produz. Estima-se que o país reutiliza entre 7% e 12% de suas águas, enquanto em algumas regiões suas esse valor chega a 90%.

A Espanha também tem liderado aspectos relacionados à proteção ambiental envolvendo dessalinização, com projetos de pesquisa envolvendo empresas e universidades que resultaram, por exemplo, em recomendações aos projetos e planos de monitoramento ambiental para plantas de dessalinização, os quais, após anos de monitoramento, confirmam a inocuidade da disposição marinha de seus rejeitos, quando essa se dá da forma correta.

No âmbito acadêmico, destaca-se, ainda, o Instituto Universitário da Água e das Ciências Ambientais [5], da Universidade de Alicante, com cursos de doutorado e mestrado, além de uma especialização online em dessalinização e reúso, envolvendo professores das universidades e de empresas da área.

[1] https://smartwatermagazine.com/news/acciona/acciona-presents-its-desalination-living-lab-state-art-platform-rdi-desalination
[2] https://www.sacyr.com/en/-/creamos-una-tecnologia-mas-eficiente-y-sostenible-en-desalacion
[3] https://aedyr.com/ultimas-innovaciones-id-desalacion-reutilizacion-agua-presentadas-sesion-5-i-congreso-digital/
[4] https://www.desalinationlab.com/el-proyecto-de-investigacion-e5des-promueve-la-desalacion-inteligente/
[5] https://iuaca.ua.es/es/presentacion.htm